Por Régis Moreira*
Quem não tá perdido com o tempo
No tempo da Covid?
Que atire a primeira pedra…
Eu acordei ontem
Era segunda e hoje já é sexta
Eu assustei ontem que era fim de março
Olhei pro calendário já era junho…
Registramos o primeiro caso
A primeira morte
E agora são mais de 170 mil!
Mais de 6 milhões de infectados!
Aqui no Brasil, pandemia é genocídio
Projeto de falta de projeto
Governo de desgovernos
Ministério sem ministro
Saúde é doença
O ultrapassado Neoliberalismo colapsado
Eu tinha planos
Criei outros
Criei outros
Criei outros
Outros
E outros…
Todo dia tenho que me replanejar
Pra mais um dia
Atravessar o hoje
Sem sucumbir
Canso
Descanso
Mas não desisto
Não me entrego
Um dia de cada vez
Um dia, cada dia
Dias, noites, semanas, meses…
No meu lugar de privilégio
O tempo é feito de um elástico
Sem molde
Sem forma
Sem horas certas
Virei amigo do calendário e do relógio
Será???…
Paquero com eles diariamente
Para me nortear
Bússolas da contracorrente
Que me atravessam
Atravesso-as
Munido de máscaras e álcool em gel
Água e sabão
Tento cuidar de mim
E do outro
Com todas
Com todes
Ponto com
Era quaresma
Era páscoa
Foi dia das mães
Foi aniversário do amor
Foi dia de…
Foi festa junina
Mordi ovo de páscoa
Engoli pipoca e quentão
Era outono
Mal vi o dourado da luz
Já é inverno?
Ou quase
Já é
Ou quase
Primaverou e não vi os canteiros
Estamos em dezembro
Vejo os pisca-piscas
Pela janela da sacada
De dentro do carro
A cidade decorada para o Natal
Tudo segue o curso da normalidade
Da nova normalidade
Da exploração capitalista de sempre
Que não traz novidade
As vidas pouco importam
Banalizaram a morte por Covid-19
Como banalizaram a morte pela violência
Tantos amigues, amigas e amigos partiram…
Agora o calendário cai sobre nossas cabeças
Sabia que era pra ter desconfiado dessa amizade
Vá trabalhar, me disseram!
Mas eu já estou trabalhando!
Aliás, nunca trabalhei tanto…
Full time
Em redes…
Mas o plano foi o trabalho remoto
Mesmo a quem não teve o devido acesso
A quem não está incluso digitalmente
Vão arrumar acesso para todos
Vão?
Quando?
Discuto
Debato
Construo
Fico exausto novamente…
Resisto
As pautas pobres
Dos retornos
Das flexibilizações
Goela abaixo
Nos empurram
À beira do abismo
Sonhos de cura
Uma vacina que a permita
“E algum remédio que me dê alegria”
Abismo!
Na beira…
Marginal que sempre fui
Exilado que é a condição que me designaram
Rompo ilhas
Tento rompê-las…
Mas, até quando?
*Régis Moreira, Comunicólogo Social e Gerontólogo, doutor pela ECA (USP) em Ciências da Comunicação, docente do Depto de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde atua como pesquisador na área de comunicação, envelhecimento e gênero. Pesquisador do Observatório Nacional de Políticas Públicas e Educação em Saúde.